Bilhete pra um operário
Por Lourenço Diaféria*Pegaram um dia um operário e disseram-lhe:
Senta-te no banco dos réus.
És acusado de haveres nascido com sonhos na cabeça. És acusado de teres os cabelos
encaracolados. És acusado de teres bigodes vastos, negros, provocativos.
És acusado de teres alguns pedaços de dedos a menos que o comum dos mortais, podados pelas engrenagens das máquinas.
És acusado de ficares pelas esquinas conversando em voz baixa com amigos enquanto a luz dos postes te ilumina o suor do rosto. És acusado de terem te visto no bar dando gargalhadas.
És acusado de tua casa ter um pequeno jardim com grama e flores.
És acusado de conheceres a sinfonia das sirenes das fábricas anunciando a aurora do primeiro turno. És acusado de seres reconhecido na portaria e todos te cumprimentarem, e te baterem levemente nas costas com alegria, e te dizerem: olá, meu chapa.
És acusado de inventares um partido que não é o único, mas não se confunde com siglas e teorias de alfarrábios envelhecidos.
És acusado de fazeres discursos de improviso com vigor e garra que nascem do fundo das vísceras do espírito.
És acusado de não seres magro nem raquítico como teus irmãos deviam ser.
És acusado de jogares baralho e dares dores de cabeça aos homens sérios deste país. És acusado de usares gravata em vez de macacão, vestindo-te com roupas só permissíveis no enterro do melhor amigo. És acusado de freqüentar reuniões e discutires com sábios e iluminados sem pedir licença nem apresentar diploma. És acusado de te haverem visto com ministros, criaturas importantes, e não te ocorrer submeter-se a elas.
És acusado de não teres te colocado no lugar cavado para o oprimido. És acusado de haveres gritado com toda a força de teus pulmões fuliginosos.
És acusado de teres filhos bonitos e uma mulher doce, que devia ser feia e talhada a foice.
És acusado de não seres rapaz comportado, meigo, gentil, acetinado.
És acusado de conheceres a prensa, e não te afugentar o ronco que ela faz na madrugada.
És acusado de quereres a pátria livre, e livre, também, o coração e os sentimentos do homem.
És acusado de rezares e de pôr a boca no trombone quando todos se calam e descrêem de Deus e
dos homens.
És acusado de teres o desplante de ser líder num país desnaturado onde quem levanta a fronte é triturado.
És acusado de haveres perdido a paciência de esperar pelo futuro que não chega nunca.
És acusado de usares sapatos 42, de couro, quando o normal é sandália havaiana.
És acusado de romperes as cadeias invisíveis que amarram teus braços peludos e tuas mãos penadas.
És acusado de atraíres os operários com tua voz, teu berro, teu silêncio, teu olhar, tua dor, tua ânsia, teu mistério, e saberes contar, sorrindo, tristes histórias recolhidas em barracos e cômodos-e-cozinhas.
És acusado de estares em pé, quando devias estar de bruços, de borco, exangue e vencido.
És acusado de não seres o que queriam que tu fosses.
Meu caro operário sentado no banco dos réus, por favor, recebe este recado:
Se existir mesmo essa senhora difusa e vaga a que chamam Justiça, confia nela.
Não creio que essa matrona seja cega.
* Texto de Lourenço Diaféria , publicado no Jornal Folha de São Paulo, no dia 15/09/80.
Assim se faz a biografia de Serra em passagem pelo Nordeste Brasileiro
No Maranhão conheceu Gonçalves Dias, e previu como seria a vida no exílio, inspirando Gonçalves a escrever a Canção do Exílio. É amigo de longa data de João do Vale, mas também participou da expulsão dos Franceses, pra desgosto do Farol de Alexandria. Se Sarney morrer vai ser amigo de infância do Bigodudo maranhense;
Ajudou Domingos Jorge Velho a ocupar o Piauí;
No Ceará conheceu Humberto Teixeira, por intermédio de Luis Gonzaga, e deu pitacos na composição Asa Branca, mas já tinha conversado com José de Alencar, com quem participava de altos saraus, onde se discutia literatura e romantismo, idéia dele o indianismo, como cópia do cavaleirismo europeu, já que o Brasil não tinha alcançado o medievo;
No Rio Grande do Norte conheceu Câmara Cascudo, de quem foi aluno no curso de Economia, foi um paper dele no curso que levou Câmara Cascudo a escrever sobre o folclore brasileiro;
Foi na Paraíba que José Serra tornou-se amigo íntimo de Jackson do Pandeiro, aliás foi Serra quem apresentou a cumadre sebastiana ao forrozeiro. Quando Zé Limeira conheceu ele ficou tão apavorado com a figura medonha, e, principalmente com as gengivas, que ficou versejando absurdamente, e disse sem pestanejar: "Quando falá em areia, Se alembre do lhá-gá-lhá.;
Chirico ajudou Duarte Coelho não só a fundar Olinda, mas também foi dele a idéia de trazer a cana de açúcar para terras brasilis
Em Olinda ele ajudou Bernardo Vieira de Melo a proclamar a República de Olinda, não sem antes, mesmo tendo sido amigo de maurício de Nassau, ajudar Fernandes Vieira, vidal de Negreiros, Felipe camarão e Henrique Dias a expulsar os Holandeses das terras brasileiras;
No Recife teve participação discreta na revolução Pernambucana, ora do lado dos revoltosos, ora do lado das tropas bahianas alinhadas à coroa;
Também no Recife ajudou frei Caneca na Confederação do Equador, e posteriormente auxiliou Abreu e Lima e Pedro Ivo na Revolução Praieira; Também conviveu com Capiba, Felinto, Pedro Salgado, Guilherme e Fenelon, aliás o frevo é uma criação musical dele;
Ajudou Deodoro da Fonseca a proclamar a República, amigos que eram desde que aquele morava nas Alagoas, criou o Reisado;
Criou a luta de Espadas em Sergipe, lutou ao lado de Curisco e Lampião, que tinha conhecido em Serra Talhada-PE;
Além de ser amigo íntimo de Jorge Amado e Painho ACM, criou o axé e o samba de roda na Bahia, participu da Sabinada, foi o mentor de Castro Alves na luta pela Abolição da escravatura; foi íntimo amigo de Ruy Barbosa…
Sem falar que ele sabe perfeitamente quem são:
Bezouro, Moderno, Ezequiel, Candeeiro, Seca Preta, Labareda, Azulão, Arvoredo, Quina-Quina, Bananeira, Sabonete, Catingueira, Limoeiro, Lamparina, Mergulhão, Corisco, Volta Seca, Jararaca, cajarana, Viriato, Gitirana, Moita-Brava, Meia-Noite, Zambelê...
Como se pode notar, é um verdadeiro Nordestino