quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

RECEITA DE ANO NOVO

(Carlos Drummond de Andrade)  


Para você ganhar belíssimo Ano Novo 

cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, 
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido 
(mal vivido talvez ou sem sentido). 

Para você ganhar um ano 
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, 
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; 
novo até no coração das coisas menos percebidas 
(a começar pelo seu interior). 

Novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, 
mas com ele se come, se passeia, 
se ama, se compreende, se trabalha, 
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, 
não precisa expedir nem receber mensagens 
(planta recebe mensagens? passa telegramas?) 

Não precisa fazer lista de boas intenções 
para arquivá-las na gaveta. 
Não precisa chorar arrependido 
pelas besteiras consumadas 
nem parvamente acreditar 
que por decreto de esperança 
a partir de janeiro as coisas mudem 
e seja tudo claridade, recompensa, 
justiça entre os homens e as nações, 
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, 
direitos respeitados, começando 
pelo direito augusto de viver. 

Para ganhar um Ano Novo 
que mereça este nome, 
você, meu caro, tem de merecê-lo, 
tem de fazê-lo novo. 
Eu sei que não é fácil, 
mas tente, experimente, consciente. 
É dentro de você que o Ano Novo 
cochila e espera desde sempre.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Quando me amei

(Carlos Drummond de Andrade)
Quando me amei de verdade, compreendi que em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento exato. E, então, pude relaxar. Hoje sei que isso tem nome… auto-estima.
Quando me amei de verdade, pude perceber que a minha angústia, meu sofrimento emocional, não passa de um sinal de que estou indo contra as minhas verdades. Hoje sei que isso é… autenticidade.
Quando me amei de verdade, parei de desejar que a minha vida fosse diferente e comecei a ver que tudo o que acontece contribui para o meu crescimento. Hoje chamo isso de… amadurecimento.
Quando me amei de verdade, comecei a perceber como é ofensivo tentar forçar alguma situação ou alguém apenas para realizar aquilo que desejo, mesmo sabendo que não é o momento ou a pessoa não está preparada, inclusive eu mesmo. Hoje sei que o nome disso é… respeito.
Quando me amei de verdade, comecei a me livrar de tudo que não fosse saudável… pessoas, tarefas, crenças, tudo e qualquer coisa que me deixasse para baixo. De início, minha razão chamou essa atitude de egoísmo. Hoje sei que se chama… amor -próprio.
Quando me amei de verdade, deixei de temer meu tempo livre e desisti de fazer grandes planos, abandonei os projetos megalômanos de futuro. Hoje faço o que acho certo, o que gosto, quando quero e no meu próprio ritmo. Hoje sei que isso é… simplicidade.
Quando me amei de verdade, desisti de querer ter sempre razão e, com isso, errei muito menos vezes. Hoje descobri a… humildade.
Quando me amei de verdade, desisti de ficar revivendo o passado e de me preocupar muito com o futuro. Agora, me mantenho no presente, que é onde a vida acontece. Hoje vivo um dia de cada vez. Isso é… plenitude.
Quando me amei de verdade, percebi que a minha mente pode me atormentar e me decepcionar. Mas quando eu a coloco a serviço do meu coração, ela se torna uma grande e valiosa aliada. Tudo isso é…. saber viver!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.”
Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Lira Itabirana

(Carlos Drummond de Andrade)

I

O Rio? É doce.

A Vale? Amarga.

Ai, antes fosse

Mais leve a carga.

II

Entre estatais

E multinacionais,

Quantos ais!

III

A dívida interna.

A dívida externa

A dívida eterna.

IV

Quantas toneladas exportamos

De ferro?

Quantas lágrimas disfarçamos

Sem berro?


(1984)

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

SONETO DO BREVE MOMENTO

(Vinícius de Moraes)


Plumas de ninhos em teus seios; urnas 
De rubras flores em teu ventre; flores 
Por todo corpo teu, terso das dores 
De primaveras loucas e noturnas. 

Pântanos vegetais em tuas pernas 
A fremir de serpentes e de sáurios 
Itinerantes pelos multivários 
Rios de águas estáticas e eternas. 

Feras bramindo nas estepes frias 
De tuas brancas nádegas vazias 
Como um deserto transmudado em neve. 

E em meio a essa inumana fauna e flora 
Eu, nu e só, a ouvir o Homem que chora 
A vida e a morte no momento breve.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Autor Desconhecido*

Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...

(Agora leia de baixo para cima)

*Não, esse texto não é de Clarice Lispector

http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/veiculos_de_comunicacao/OES/OES0306103/0306103_15.PDF

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Saudade


Magoa-me a saudade 
do sobressalto dos corpos 
ferindo-se de ternura 
dói-me a distante lembrança 
do teu vestido 
caindo aos nossos pés 

Magoa-me a saudade 
do tempo em que te habitava 
como o sal ocupa o mar 
como a luz recolhendo-se 
nas pupilas desatentas 

Seja eu de novo tua sombra, teu desejo 
tua noite sem remédio 
tua virtude, tua carência 
eu 
que longe de ti sou fraco 
eu 
que já fui água, seiva vegetal 
sou agora gota trémula, raiz exposta 

Traz 
de novo, meu amor, 
a transparência da água 
dá ocupação à minha ternura vadia 
mergulha os teus dedos 
no feitiço do meu peito 
e espanta na gruta funda de mim 
os animais que atormentam o meu sono 

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho' 

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

sábado, 25 de julho de 2015

É Proibido


(Pablo Neruda)

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.
É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,
Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,
Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se
desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,
Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.

domingo, 19 de julho de 2015

Pronominais

(Oswald de Andrade)


Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco 
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

O Tempo

(Mário Quintana)

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. 
Quando se vê, já são seis horas! 
Quando de vê, já é sexta-feira! 
Quando se vê, já é natal... 
Quando se vê, já terminou o ano... 
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. 
Quando se vê passaram 50 anos! 
Agora é tarde demais para ser reprovado... 
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. 
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas... 
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo... 
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. 
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. 
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.


domingo, 21 de junho de 2015

QUATRO HORAS E UM MINUTO


Miró
Quatro horas
Quatro ônibus levando vinte e quatro pessoas
Tristonhas e solitárias
Quatro horas e um minuto
Acendi um cigarro e a cidade pegou fogo.
Cinco horas
Cinco soldados espancando cinco pivetes
Filhos sem pai
E órfãos de pão
Cinco horas e um minuto
Urinei na ponte e inundei a cidade
Seis horas
O Recife reza
E eu voando pra ver Maria

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Quero apenas cinco coisas

(Pablo Neruda)

Quero apenas cinco coisas.. 
Primeiro é o amor sem fim 
A segunda é ver o outono 
A terceira é o grave inverno 
Em quarto lugar o verão 
A quinta coisa são teus olhos 
Não quero dormir sem teus olhos. 
Não quero ser... sem que me olhes. 
Abro mão da primavera para que continues me olhando.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Quarenta Anos

(Mário de Andrade)
A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.
Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar… Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado… Horrendo
Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.
Vou fazer do meu fim minha esperança,
Ôh sono, vem!… Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida

quarta-feira, 27 de maio de 2015

NO TEMPO EM QUE SONHÁVAMOS

 (Ribeiro Halves)
No tempo em que sonhávamos,
nós éramos despertos...
Vestíamos a noite insone
com a luz das auroras,
dos jasmins e mariposas;
povoada de sussurros.
Nós tínhamos raízes,
robustas e fortes,
cobrindo todo o espaço;
qual nuvem de pássaros
ou cardumes de folhas.
Andávamos com as árvores
e tecíamos as chuvas
com o delicado sereno
das madrugadas desertas;
habitadas de crepúsculos.
Nós sabíamos do fogo,
sua vida obscura,
e amávamos suas brasas
espalhadas pela terra;
centelhas de raios voando
ao sopro de vaga-lumes.
Deitávamos, solenes, as pedras
no leito dos rios e fontes
como quem semeia a lua
sobre o sangue da fêmea;
ou ao mar recolhe a lágrima
do doce olhar das crianças.
No tempo em que sonhávamos,
nós éramos despertos
e as palavras dormiam
na carne de nossas almas...
e o Espírito brincava (todo dia),
dançava na Sua presença
e se alegrava com os homens.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Cenas urbanas


Desbravando o metrô, depois de um sorriso aguado de alguém que tirou minha cadeira, consegui me sentar. À minha frente , um rapazinho fotografando a nova camisa do novo cargo, "BOMBEIRO CIVIL" "RESGATE". Rapazinho com adrenalina a mil, felicidade estampada no sorriso. Ele acariciando a cabeça, eu lia nos seus lábios de felicidade: "pustz", e acariciava a camisa, e sorria, e olhava pra mim. Tive vontade de dizer "parabéns", fiquei tímido. Mas o rapaz olhava maravilhado as fotos do celular. Espero que meu sorrisinho tenha-no saudado pela vitória. 
Faça valer sua conquista, seu moço. Emocionei-me quase tanto quanto vossa mercê

Recife, 20 de Maio de 2014

terça-feira, 19 de maio de 2015

Isso é Muita Sabedoria


Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue;outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer.

Clarice Lispector

terça-feira, 5 de maio de 2015

Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

(Mário Quintana)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Soneto da Saudade

(Guimarães Rosa)

Quando sentires a saudade retroar 
Fecha os teus olhos e verás o meu sorriso.
E ternamente te direi a sussurrar:
O nosso amor a cada instante está mais vivo!


Quem sabe ainda vibrará em teus ouvidos
Uma voz macia a recitar muitos poemas...
E a te expressar que este amor em nós ungindo
Suportará toda distância sem problemas...


Quiçá, teus lábios sentirão um beijo leve
Como uma pluma a flutuar por sobre a neve,
Como uma gota de orvalho indo ao chão.


Lembrar-te-ás toda ternura que expressamos,
Sempre que juntos, a emoção que partilhamos... 
Nem a distância apaga a chama da paixão

sábado, 3 de janeiro de 2015

Memórias

E o que fazer, com aquele sonho frustrado
Aquela adolescência acabada
A juventude findada
O que fazer, com aquele amor proibido,
A bala perdida encontrada,
A natureza depredada
As praias "craudeadas"
A beleza transformada
Os amigos idos
Os sonhos perdidos
O mel virando fel
Sonhos em pesadelos
Pesadelos em sonhos
Amor em desmantelo
Saudade em Esperança
E a eterna agonia
De nada me esquecer?

(Recife, 03/01/2015)