segunda-feira, 3 de maio de 2010

Os Colares e as Contas

Marcelo Mário de Melo

Em memória de Ednaldo Miranda

A esperança de um homem
também cansa.
E há aquele dia
em que ele reúne as ruínas
e ensaia a retirada.

Um misto de perfume e pólvora
bafeja o colóquio
do Rei Midas
com o Rei Mídia
ali onde vampiros erguem brindes
e urnas recolhem
votos e mais votos.

Crianças amolam as navalhas
no peito dos mendigos
olhando os vendilhões
do shopping-templo.

Rosas vermelhas requebram
pintando-se de cinza/amarelo.
E pétalas vão caindo nas cloacas.

O cenário é um painel
de uniformizada geometria
onde todas as figuras se arredondam
decepando-se de bases
vértices e arestas.

Na coreografia se destaca
um quadrado de quinas desbastadas
ralando-se em rodeios de roda
e acenando ao rei.

Na orquestração
foram mixados e diluídos
os gritos e gemidos
da teia e da tocaia.

Mas emergindo da gosma
de negócios e discursos
as dores da cidade vaga-lumam
e se inscrevem
nas linhas do arco-íris.

Um raio colorido acende o chão.
O homem é arrastado à rua por um imã
e lê no céu com a multidão.

Dos olhos se descolam
películas geladas.
As bocas rugem um sopro
que unido em ventania arranca
cenários palcos máscaras
fantasias e cartazes.
E vaias vomitam línguas de fogo
formando fogueiras aladas.

Uma chuva leva as cinzas
e lava as cicatrizes.
O sol se alarga meio metro
e enxuga tudo num instante.

De um lado gritam: fogo!
Queremos fogo!

Mas nada de incêndios loucos.
Poupemos nossas chamas
como se faz com os trocados
e as roupas de domingo.

Alguém lamenta amargo:
estou cansado de plantar
sem ver os frutos!

Mas aqui ninguém ingressa
no primeiro ato
nem há de alcançar o último.
Não existem cadeiras numeradas
e às vezes as cortinas são fechadas
enquanto continua
o espetáculo sem reprise.

A vida de um homem
é um colar de contas ano a ano.
A vida de um país se conta
em colares de décadas e séculos.

Os ritmos da história
não cabem nos quadrantes do relógio
nem podem ser guardados
no cofre ou no casaco de ninguém.

Mas sem as horas e os minutos militantes
retarda-se a história
também movida
a sonhos bem guardados.

As linhas do arco-íris dizem mais
do que todas as telas coloridas.
E elas anunciam
estrada e horizonte
unindo
vaga-lumes e estrelas.
QUEM O FARÁ?

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