Júlio Florencio Cortázar
“Toco sua boca, com um dedo toco o contorno de sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo de minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar.
Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que minha mão escolheu e desenha no seu rosto, uma boca eleita entre todas, com soberana liberdade eleita por mim para desenha-la com minha mão em seu rosto e, que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que minha mão desenha em você.
Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de ciclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se aproximam um dos outros, sobrepõem-se, e os ciclopes se olham, respirando confundidos, as bocas se encontram e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem como um perfume antigo e um grande silêncio.
Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, cariciar lentamente a profundidade de seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce, e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela.
E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.”
Trecho do livro “O Jogo da Amarelinha” ” (Rayuela, no original)
domingo, 31 de agosto de 2014
sábado, 30 de agosto de 2014
Ausência
(Vinícius de Moraes)
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são doces...
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto...
No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida...
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto...
E em minha voz, a tua voz...
Não te quero ter, pois em meu ser tudo estaria terminado...
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados...
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada...
Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado...
Eu deixarei...
Tu irás e encostarás tua face em outra face...
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada...
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu...
Porque eu fui o grande íntimo da noite...
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa...
Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço...
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado...
E eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos...
Mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir...
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves,
das estrelas,serão a tua voz presente, tua voz ausente,
a tua voz serenizada.
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
Dormimos juntos
“Fazer amor, sim e sempre.
Dormir com mulher, isso é que nunca.
Dormir com alguém é a intimidade maior.
Não é fazer amor.
Dormir, isso que é íntimo.
Um homem dorme nos braços de mulher e sua alma se transfere de vez.
Nunca mais ele encontra suas interioridades”.
(Mia Couto)
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Para Ti
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
terça-feira, 26 de agosto de 2014
Saudades
(Clarice Lispector)
Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...
Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...
Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser...
Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro...
Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...
Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.
Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!
Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!
Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!
Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.
Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...
Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!
Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!
Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,
Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.
Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...
não sei onde...
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...
Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.
Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.
Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.
Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.
E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.
Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência...
Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...
Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...
Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser...
Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro...
Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...
Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.
Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!
Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!
Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!
Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.
Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...
Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!
Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!
Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,
Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.
Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...
não sei onde...
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...
Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.
Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.
Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.
Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.
E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.
Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência...
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Identidade
(Mia Couto)
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
(Raiz de Orvalho e outros poemas)
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
(Raiz de Orvalho e outros poemas)
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
Frevo da Saudade
(Nelson Ferreira)
Quem tem saudade não está sozinho
tem o carinho da recordação
por isso quando estou mais isolado
estou bem acompanhado com você no coração
Um sorriso,
um abraço e uma flor
tudo é você na imaginação
serpentina ou confete, carnaval de amor
tudo é você no coração
você existe como um anjo de bondade
e me acompanha nesse frevo de saudade.
tem o carinho da recordação
por isso quando estou mais isolado
estou bem acompanhado com você no coração
Um sorriso,
um abraço e uma flor
tudo é você na imaginação
serpentina ou confete, carnaval de amor
tudo é você no coração
você existe como um anjo de bondade
e me acompanha nesse frevo de saudade.
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
O TREM DA VIDA
Marcelo Mário de Melo
Muitos destinos distintos
nos voos de cada qual
roteiros agendas planos
que nada têm de igual.
nos voos de cada qual
roteiros agendas planos
que nada têm de igual.
Na janela a quadratura
corta o fio que une o cenário
e confunde a consciência
do comum itinerário.
corta o fio que une o cenário
e confunde a consciência
do comum itinerário.
Seria interessante
na rotina da viagem
subir no teto do trem
pra ver inteira a imagem.
na rotina da viagem
subir no teto do trem
pra ver inteira a imagem.
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
O que pude...
Desculpa-me por um momento
Se na vida toda só pude
Te dar meu melhor sentimento...
(Recife, 13 de agosto de 2014)
Se na vida toda só pude
Te dar meu melhor sentimento...
(Recife, 13 de agosto de 2014)
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
Ai! Se sêsse!...
Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dos se impariásse,
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulíce?
E se eu me arriminasse
e tu cum insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?...
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!
*Poeta: Zé da Luz
sexta-feira, 1 de agosto de 2014
A canção desesperada
(Pablo Neruda)
Aparece tua recordação da noite em que estou.
O rio reúne-se ao mar seu lamento obstinado.
Abandonado como o cais de madruga.
É a hora de partir, oh abandonado!
Sobre meu coração chovem frias corolas.
Oh porão de escombros, feroz caverna de náufragos!
Em ti se acumularam as guerras e os vôos.
De ti alcançaram as asas dos pássaros do canto.
Tudo engoliste, como a distância.
Como o mar, como o tempo. Tudo em ti foi naufrágio!
Era a alegre hora do assalto e do beijo.
A hora do espanto que ardia como um farol.
Ansiedade de piloto, fúria de mergulhador cego.
turva embriaguez de amor, Tudo em ti foi naufrágio!
Na infância de nevoa minha alma alada e ferida.
Descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrágio!
Fiz retroceder a muralha de sombra,
Andei mais para lá do desejo e do ato.
Oh carne, carne minha, mulher que amei e perdi,
e ti nesta hora úmida, evoco e canto.
Como um copo guardando a infinita ternura,
e o infinito esquecimento te espedaçou como a um copo.
Era a negra, negra solidão das ilhas,
e ali, mulher de amor, me acolheram os teus braços.
Era a sede e a fome, e tu foste à fruta.
Era a dor e as ruínas, e tu foste o milagre.
Ah mulher, não sei como me pudeste conter
na terra de tua alma, e na cruz de teus braços!
Meu desejo por ti foi o mais terrível e curto,
o mais revolto e ébrio, o mais tenso e ávido.
Cemitério de beijos, ainda há fogo nas tuas tumbas,
ainda os cachos ardem bicados pelos pássaros.
Oh a boca mordida, oh os beijados membros,
oh os famintos dentes, oh os corpos trançados.
Oh a cópula louca de esperança e esforço
em que nos unimos e nos desesperamos.
E a ternura, leve como a água e a farinha.
E a palavra mal começada nos lábios.
Esse foi meu destino e nele viajou a minha vontade,
e nele caiu a minha vontade, Tudo em ti foi naufrágio!
De tombo em tombo inda chamejaste e cantaste
de pé como um marinheiro na proa de um navio.
Ainda floresceste em cantos, ainda rompeste em correntezas.
Oh porão de escombros, poço aberto e amargo.
Pálido mergulhador cego, desventurado fundeiro,
descobridor perdido, Tudo em ti foi naufrágio!
É a hora de partir, a dura e fria hora
que a noite prende a todo horário.
O cinturão ruidoso do mar cinge a costa.
Surgem frias estrelas, emigram negros pássaros.
Abandonado como o cais na madrugada.
Só a sombra trêmula se retorce nas minhas mãos.
Ah mais para lá de tudo. Ah mais para lá de tudo.
É a hora de partir. Oh abandonado!
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